segunda-feira, 13 de junho de 2011

A vida que me escolheu

Acredito que seja a vida que nos escolhe, não como se fosse algo independente de nós próprios, mas dentro das escolhas todas que fazemos, das opções e dos acasos, a vida escolhe com uma eminência absoluta quem quer que a viva. Acredito na vida como o meu Deus. O Deus que permite o equilíbrio perfeito da natureza e a harmoniosa conflitualidade entre o Homem e a natureza.

Já li por diversas vezes na blogosfera acerca de pessoas que tinham perdido entes queridos e que logicamente sentiam a sua falta, sentiam que uma parte delas tinha partido, desaparecido e que nada neste mundo poderia alguma vez substituir alguém tão importante nas suas vidas. A dor da ausência é crónica, porque a morte é antagónica à vida e sem vida, o ser humano não existe. É a única coisa que não tem solução, que não tem retorno e por isso mesmo é algo que se torna tão doloroso, agoniante e só de ouvir a palavra "morte", o ser humano retrai-se assim como se vê sangue, são os instintos protectores ancestrais. A vida "diz" ao cérebro o que o pode ou não proteger.

Mas há o inverso.

Verifica-se nos idosos que vivem isoladamente, nos doentes terminais, nas pessoas depressivas, etc.
Em que o cérebro não procura a vida, mas sim o conforto.
Na verdade penso que é o mais básico instinto humano. O conforto. Sem conforto não há qualidade de vida e sem qualidade de vida, não há estímulo, sem estímulo há acomodação e com esta vem o desejo pela morte.
Isto é psicologia barata, eu sei.

No seguimento do que escrevia, eu tenho um caso na família.
O meu avô paterno tem 85 anos e está há cerca de 15 anos acamado, completamente dependente. O motivo foi uma trombose que o deixou completamente paralisado do lado esquerdo do corpo. Ele ia a dar a sua volta de bicicleta quando aconteceu. Caiu no chão e a partir desse dia eu perdi o meu avô e o meu pai. Eu tinha 10 anos.
Não os perdi fisicamente, mas perdi-os.
Do meu avô não tenho muitas recordações, apenas umas imagens vagas de ele me ir buscar à escola com um atrelado pequeno montado atrás na sua bicicleta, onde eu vinha sentado. De um balancé que ele fez em madeira que me levava bem alto. E das suas sestas à mesa com a cabeça pousada em cima dos braços, depois do almoço. São as únicas imagens que eu tenho do meu avô "vivo".

Na consequência do sucedido, o meu pai, desde então sempre viveu mais para o pai do que para os filhos. Logicamente que nenhum dos dois optou. O meu avô não optou por ficar paralisado numa cama, nem o meu pai optou por ter que cuidar do pai até à actualidade em detrimento da atenção que deveria ter dado aos filhos.
Nunca julguei a situação, nem vivo com raiva ou ódio à vida, nem nunca me revoltei, nem nunca o irei fazer. Vivo com a vida que me escolheu, o meu pai vive com a vida que o escolheu e o meu avô vive com a vida que o escolheu.

Não, não lhe desejo a morte e penso que ele, embora já muito debilitado psicologicamente ao ponto de já não me reconhecer, também não a deseje e não a deseja porque as suas faculdades mentais não o permitem, a dormência está há muito instalada. É algo com que temos que viver. Se a morte o levasse era um alívio?

...

Mas é assim, foi a vida que nos escolheu.
Isto não é uma acomodação, é uma lição para a minha vida.

2 comentários:

  1. Os casos assim são muito complicados porque as pessoas continuam entre nós mas já não estão lá de certa maneira.
    O luto começa a ser feito antes do tempo.
    Quanto às pessoas importantes que se perdem prefiro sempre guardar as coisas boas que vivi com eles do que propriamente a falta que fazem. nesse caso, só a minha mãe porque morreu quando eu era muito pequena, nem me lembro bem dela...
    beijinhos

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  2. Ana, não desejo a morte a ninguém, mas viver não é isto.
    A tendência é guardarmos as boas coisas das pessoas que gostávamos muito, apesar de todas as suas imperfeições como seres humanos.

    Beijos!

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