Imaginem um casal, casado há já uns anos, com uma vida profissional estável e um núcleo familiar sólido. Este casal tem tudo para ser feliz com a excepção de que descobriram há cerca de 10 anos que não podiam ter filhos, ou pelo menos foi o que lhes disse uma médica quarentona, sem filhos por opção. A razão pela qual a médica aconselhou a senhora a não ter filhos foi a sua doença mental, esquizofrenia, que para estar controlada implicava a toma massiva de medicação e consequentemente a quase impossibilidade de poder gerar uma criança.
Visto a impossibilidade de serem pais biológicos, este casal queria muito partilhar o seu amor com uma criança, e como tal começaram a pensar na adopção. Então há cerca de 7 anos começaram a sua longa jornada na tentativa de adoptar uma criança.
Trataram das toneladas de papelada necessária, das burocracias associadas, assistentes sociais em casa, entrevistas, acompanhamento, etc.
Após a enorme parafernália de procedimentos adjacentes ao processo, restava-lhes agora esperar. E esperar. E esperar.
Sempre que se dirigiam à segurança social, as assistentes sociais que os acompanharam desde o inicio do processo apenas tinham para lhes dizer “Têm que esperar” e “Não percam a esperança”.
Passaram 4 longos anos nesta corrida quase mensal à segurança social na esperança que já houvesse uma criança para eles. Obviamente que tudo tem um limite e a paciência humana não é excepção.
Recorreram aos tribunais para provar que eram mais que competentes para receber, criar, dar afecto e educar uma criança, um ser humano e que apesar da doença mental da senhora, que sempre esteve controlada, não era impedimento absolutamente nenhum, isto, segundo outra médica que acompanhava agora o estado da senhora.
Ganharam, pelo menos em tribunal.
Depois da vitória em tribunal e do aparecimento de uma nova luz, uma brisa de ar fresco, continuaria a espera incessante.
O tempo foi passando e o casal agora na casa dos quarentas, dirigiu-se mais uma vez à segurança social. Após explicarem às assistentes sociais que estavam a ficar com uma certa idade para adoptarem uma criança mais pequena, já que quando a criança tivesse na casa dos vintes, eles já teriam sessentas, que não se importavam de adoptar uma criança mais velha.
Ao que as assistentes respondem e vou citar: “Vocês não são competentes para educar uma criança de 3 ou 4 anos quanto mais uma de 10”. Ouvir isto magoa, mesmo para quem está de fora. E as pessoas não são de ferro. “Porque é que diz isso?” – pergunta o senhor a tentar não perder a postura, ao que a assistente lhe pergunta: “Se tiver um prato de sopa e um bife e a criança disser que não quer comer a sopa, o que é que você faz?”. Medo de uma assistente social. “Dir-lhe-ei que tem de comer a sopa primeiro”. A assistente social insiste: “E se a criança disser que não vai comer mesmo a sopa?”… não vale a pena continuar com o diálogo, acho que já me fiz entender.
A resiliência humana não é eterna nem contínua, obviamente que não vale a pena referir as frustrações, as depressões, as discussões consequentes de todo este processo.
Que alguém não queira ter filhos, é perfeitamente legítimo, o problema é quando esse alguém não quer e tem o poder de impedir outro alguém de os ter. Já alguém dizia que a nossa liberdade termina quando começa a liberdade dos outros.
E digo com convicção que não foi a primeira médica que desaconselhou a senhora a ter um filho biológico, porque isso é possível segundo a “outra médica” e não foram as assistentes sociais com contornos macabros que os vão impedir de dar amor a uma criança, de partilhar o amor com uma criança, de salvar uma criança, um ser humano.
Em Dezembro vemo-nos em tribunal.
“Enquanto houver estrada pra andar
A gente vai continuar
Enquanto houver estrada pra andar
Enquanto houver ventos e mar
A gente não vai parar
Enquanto houver ventos e mar”
Jorge Palma